ACREDITAR

Um diário de alguém que descobriu recentemente que é seropositivo, mas vai acreditar até ao fim que o milagre vai acontecer. Se pelo caminho ajudar a uma só pessoa a evitar ser contaminado ou a suportar melhor o seu convívio com o HIV-SIDA, já vale a pena escrever um pouco da minha história de vida, compartilhar pensamentos, alegrias e sentimentos. Só tenho a certeza de que a esperança é a última a morrer.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

DE BEM COM A VIDA

Não sou uma pessoa de mal com a vida. É certo que ela podia ter sido mais generosa comigo. Não, não foi tão generosa assim, mas julgo que tem sido agradavelmente benévola. Não nasci rico, nem fiquei rico, entretanto. Não nasci genial nem me tornei um génio. Fui um aluno acima da média, penso eu, mas não fiquei doutor nem engenheiro, nem uma universidade frequentei. Comecei a trabalhar no tempo certo e pouco a pouco fiz da minha vida profissional um sucesso moderado. Não cheguei a director geral, mas sou pelo menos um quadro médio bem reputado numa das grandes empresas deste país e orgulho-me disso. Não ganho milhões, porém ganho o suficiente para levar uma vida confortável de classe média.
O relativo sucesso profissional atribuo-o ao empenho em tudo o que faço, ao amor à camisola e numa atitude que pôs sempre em primeiro lugar a empresa aos meus interesses pessoais. A estratégia mostrou-se correcta. Foi compensado com o reconhecimento das chefias e a atribuição de cada vez maiores responsabilidades na estrutura da empresa.
Outra razão para o meu relativo sucesso é ter sido sempre uma pessoa optimista. Faz parte da minha natureza acreditar que as coisas só podem melhorar, que as pessoas são basicamente bem intencionadas ( sem nunca descurar a retaguarda, porque algumas não são tanto assim), e que tudo é recompensado de acordo com o mérito de cada um. Parece um pouco ingénuo? Talvez, mas podem confiar que ajuda muito não ver maldade a cada esquina, só ver o lado mau da vida, pensar que está sempre alguém preparado para nos tramar e que só não tira vantagem do nosso esforço quem não pode.

Olhando bem para a minha vida podia confidenciar que não terei razões para ser um optimista nato. Nasci no seio de uma família cheia de dificuldades, com uma deficiência congénita que começou logo a diminuir as minhas probabilidades de vir a ser bem sucedido. A infância foi feliz, mas com o pai longe da família. A mãe, esforçadamente deu conta de nos criar aos três com grande esforço. A adolescência foi complicada, e quem não teve uma adolescência assim? A descoberta da homossexualidade latente tornou-me um jovem fechado, algo solitário, reservado. Aprendi a defender-me do mundo desenvolvendo uma atitude cautelosa e defensiva para não sofrer as agruras da intolerância.

Passada essa fase era hora de procurar o meu lugar no mundo. Não foi fácil para alguém tão tímido e reservado como eu afirmar-me no competitivo mundo do trabalho. Por todo o lado competia com gente bem falante, com «lata» para fazer dos defeitos virtudes, dos erros vantagens, das palavras competência. Eu não sabia usar as palavras como propaganda, eu não sabia «engraxar» para me promover. A minha única arma era a minha vontade e capacidade de fazer, nada mais. No primeiro emprego a guerra das palavras venceu, mas mais tarde venceu a entrega à causa, o empenho, o contribuir para o sucesso da empresa sem pensar em mim. E foi dessa forma que ganhei o meu lugar no mundo do trabalho. Não me arrependo do que dei sem pedir nada em troca, pois hoje sinto-me recompensado.
Depois a vida começou a correr certeira, discreta, favorável. Nunca tive tempo para amargar. Quando a vida não corria bem, não me tornei azedo por dentro. Sempre esperei que a tempestade passasse acreditando que tudo voltaria ao normal e tudo voltava ao normal.

Hoje poderia estar lamentando-me de ter pousado sobre a minha vida um «katrina» capaz de me arrancar pela raíz, de destruir toda a minha crença na bondade do destino, mas não, a minha vida quase não abanou. Podia ter entrado numa depressão suicida, podia ter me esvaído em lágrimas, podia ter lamentado amargamente a minha sorte, podia ter-me isolado e tornado azedo com os outros, podia ter desistido, podia querer vingança... Enfim, podia ter jogado a toalha ao chão e escoar um pessimismo legítimo pelo passar dos dias. Não.
Quem me conhece sabe que prefiro passar despercebido a ter 1 minuto de glória na capa dos jornais, prefiro a descrição à manifestação, pode até pensar que seria essa a minha atitude natural de me deixar vencer pela adversidade. Jamais. Sei que engano muita gente que não me atribui força ou forte vontade de conseguir o que quero, mas há em mim uma vontade interior quieta, serena e sólida que me faz acreditar que a minha sorte não acabou, que vale a pena viver e que tudo passará como passaram outras tempestades que se abateram sobre mim.

Lembram-se que no princípio recebi a notícia da minha infecção pelo HIV sem dramas, nem choradeiras inúteis. Eu pressenti o que estava para acontecer e preparei-me. Quando penso hoje nas últimas férias que tive, espanto-me com a capacidade de continuar a viver, a divertir-me, a aproveitar a vida esquecendo todas as nuvens que pairavam sobre a minha cabeça. Na realidade hoje penso que arrisquei de mais. Não o devia ter feito, mas como no fundo não tinha certezas e se o mal tivesse feito já tinha sido feito ao longo dos últimos meses. arrisquei. Falo do risco de contaminar o meu companheiro, mas tínhamos tido dezenas de relações sexuais nos últimos meses, mais uma não ia fazer diferença. Hoje arrependo-me dessa última vez sem precaução. felizmente não teve consequências. Fui egoísta, mas não foi só por mim. Se lhe dissesse o que magicava em segredo a minha cabeça, o melhor que poderia acontecer era estragar totalmente as nossas férias e já que o barco estava em andamento tinha que chegar ao porto.

Nas primeiras análises que fiz tinha uma carga viral de 53.900 (27-11-06) depois subiu rapidamente para 65.500 (28-12-06) e agora desceu abruptamente para 12.100 (26-03-07).
Os níveis de CD4 estavam em 497, depois caíram para 377 e as mais recentes apresentam o melhor nível dos três: 557 respectivamente. O que causou esta evolução? Não sei! O infecciologista perguntou, qual sapateiro, se eu estava a tomar algum medicamento. - Não. - Bem, mas isto está bem melhor! Ele não sabe, mas eu penso que a Sífilis estava a acelerar a progressão da infecção do HIV. Agora que esse pesadelo passou, as defesas voltaram ao contra-ataque e tudo recuperou surpreendentemente.

Tenho uma firme esperança que nem tão cedo vou necessitar de retrovirais. E acredito que a medicina vai avançar e encontrar soluções inesperadas para debelar esta pandemia.
Este é o meu optimismo. Este é o melhor de mim que me permite manter um sorriso sincero nos lábios e brindar à vida como sempre fiz.

Vocês cuidem-se, que esta conversa pode ser apenas optimismo meu, nada mais. Os preservativos são baratos usem-nos sempre.

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Boa tarde,
vivo à 9 anos com um companheiro seropositivo.. faz medicação e é bem mais saudavel que eu. Julgo que ele encontrou uma força para viver que não tinha antes, julgo que é hoje mais saudavel, mais forte, mais optimista... é estranho, mas é verdade! temos vida sexual e eu pelo que se percebe sou negativo, brincamos dizendo que o positivo é positivo em tudo e eu o negativo passo a vida doente e em baixo!
Força companheiro, viver não custa, custa é saber viver!

28 de maio de 2007 às 15:30  
Anonymous Anônimo disse...

El tiempo que inicias es complicado. Muchas cosas pueden pasar. Los medicamentos pueden hacer un buen papel, pero la actitud mental, tu alimentación y ejercicio físico es vital para salir adelante.
Yo tengo 9 años, estoy empezando mi blog. Si gustas puedes visitarme. Saludos!

30 de outubro de 2007 às 22:11  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial

  • AIDS PORTUGAL
  • LIGA PORTUGUESA CONTRA A SIDA
  • COORDENAÇÃO NACIONAL PARA A INFECÇÃO HIV/SIDA
  • AIDS PORTUGAL
  • ONU SIDA
  • HIV MEDICINE INDICE
  • DIARIO HIV VIDA
  • O BLOG DO GAT
  • ACREDITAR