Desde os 19 anos que a SIDA se tornou um fantasma na minha vida. Decorria o ano de 1984 quando joguei os olhos sobre uma banca de jornais e li algo assim na capa do Expresso: Doença ainda desconhecida mata homossexuais. Era estudante e o meu orçamento não dava para comprar jornais, mas perante aquele título tirei os escudos necessários e devorei a reportagem sobre o tema. naquela altura ainda nem tinha tido a minha primeira relação homossexual. A minha cabeça estava muito confusa no que respeitava ao assunto. Continuei a procurar informação sobre a estranha doença desde então. Quando finalmente assumi a minha sexualidade o fantasma da SIDA esteve sempre presente e a forma de a evitar não me deixava indiferente.
Pouco tempo mais tarde ouvi dizer que o António Variações tinha falecido vítima da doença e um colega de escola que eu conhecia também. mais tarde foi a vez do meu dentista, um gay brasileiro que era namorado de um amigo meu. Mas só algum tempo mais tarde contactei directamente com a doença. Foi em Colónia, cidade onde vivia o meu companheiro da época e com quem vivi 5 anos. Ele era amigo de um cirurgião plástico que era seropositivo e o seu companheiro já estava gravemente doente. Estive em casa deles apenas uma vez, pois um deles morreu passado 6 meses e o outros talvez 2 anos mais tarde. O tratamento era, praticamente, inexistente e a esperança de vida era diminuta. A imagem daquele homem estremamente fraco nunca mais me saiu do pensamento. Quando penso em Sida é nele que penso. No ano seguinte fizemos a festa de passagem de ano em casa de um outro amigo que estava infectado e temia não resistir para ver outra celebração de ano novo. Assim foi. No ano seguinte já lá não estava. Aquela festa foi a festa da sua despedida. Nos anos seguintes quando voltavamos a Colónia sempre ficavamos a saber que mais alguém tinha sido levado pela maldita doença.
Essa relação acabou em 94 e a vida continuou por aqui ouvindo dizer que este ou aquele que conhecia era seropositivo. A certeza nunca se sabia. O medo da discriminação e o estigma da doença não deixa que muitos assumam que estão doentes. Este facto dá a sensação que a doença é um problema longínquo, com pouca expressão, que só existe lá longe, em África sim, lá morre muita gente com SIDA, entre os que conhecemos não!!!!! Mentira. A doença está escondida como um iceberg. Quando comecei a frequentar o serviço de infecciologia do hospital de Faro é que me apercebi quantos gays conhecidos por lá andam, ainda só a fazer acompanhamento, mas já são seropositivos.
Nunca fui um «santo». Sempre considerei que não devia ser descuidado nem facilitar, mas não podia abdicar da vida por medo de me infectar. O fantasma sempre me acompanhou. sempre tive consciência do risco que apesar de tudo existia. Quase sempre me assaltava a dúvida sobre a eficácia do preservativo, mas ao fim de 20 anos parecia ser bastante usar preservativo. E continuo a pensar que em condições normais sim. Julgo que não foi por aí que dei de caras com o virus. Provavelmente a contaminação veio através do sexo oral activo ou passivo, não sei! As gengivas «feridas» pela escova de dentes ou pelo fio dental ou uma fissura no pénis pode ser fatal. Um estudo recente diz que os homens circuncisados têm menores possibilidades de ser infectados.
Assumi o risco que pensava, ao fim destes anos todos, ser menor. Mas não era tão pequeno assim. Só eu sou responsável, mais ninguém. Convivo bem com isso. Não me tira o sono.